terça-feira, 29 de março de 2011

Fim da Primavera dos Povos Árabes

Inicialmente, a Primavera dos Povos Árabes foi saudada como o fim das ditaduras corruptas e o nascimento da democracia. Primeiro caiu o ditador General Zine El Abidine Ben Ali, da Tunísia (no poder desde 1987). Depois foi a vez de Hosni Mubarak, do Egito (no poder desde 1981). Rebeliões eclodiram em vários outros paises árabes, entre eles a Jordânia, Yemen, Bahrein, Omã, Argélia, Arábia Saudita etc. Até que chegou a vez da Líbia.

Cada revolta, apesar de elementos comuns, tem suas particularidades. Estas sociedades têm estruturas relativamente diferentes entre si. Conseqüentemente, as revoltas populares também ocorreram de formas diferentes. No Egito e na Tunísia, pode-se dizer que a sociedade civil pressionou o Estado para derrubar o ditador de plantão, tentando substituir a estrutura autoritária por outra mais livre. Usamos o termo livre, pois, ao contrário do que se propala pela mídia “ocidental”, a Democracia não é um valor universal. A Democracia é uma construção histórica, tanto que é um conceito diferente para os atenienses da antiguidade ou para os revolucionários franceses de 1789. Já a Liberdade, este sim se trata de um valor universal.

Na Líbia a situação foi diferente da Tunísia e do Egito. Neste caso, a estrutura social do país é muito diferente, pois não existe um estado institucional, sendo a Líbia uma grande federação de tribos (originalmente, a Líbia surgiu da emancipação de três colônias italianas que se unificaram mais por pragmatismo do que por identificação). O ditador Muammar Kadhafi manteve seu controle por ter o apoio de duas das três principais tribos. Dentro destas duas tribos não há povo em armas tentando derrubar o governo autoritário. Porém, a terceira tribo, Werfalla, resolveu aproveitar os acontecimentos do mundo árabe para tomar para si o poder. Em suma, a Líbia está mais para guerra civil do que para revolução.

Kadhafi reagiu à sua maneira, com seu poder militar. É ingenuidade achar que se trata simplesmente da repressão de um ditador malvado ao povo clamando por democracia. Não que isso justifique as ações de Kadhafi (de maneira alguma!).

Quando os acontecimentos do oriente médio e do norte da África tomaram mais consistência, inúmeras análises foram apresentadas. A mais interessante é a que compara tais fatos com a Primavera dos Povos de 1848, série de revoluções liberais e democráticas que derrubou parte das monarquias européias. Infelizmente, a geopolítica daquela época é bastante diferente da de hoje. Ainda que um país vizinho quisesse se intrometer na revolução do outro, em 1848 eles ainda teriam que enfrentar seus próprios problemas internos, pois as idéias liberais e democráticas se espalhavam com o vento pelo velho continente. Diferente é a situação de hoje, em que países da Europa e da América do Norte tem condições tecnológicas e logísticas de atuar militarmente em todo o globo. E é isso que está acontecendo.

Independente da opinião sobre Kadhafi, a situação da Líbia é apenas interna. Trata-se de um confronto entre líbios, ambos muito bem armados. O lado mais forte e mais preparado vence a guerra. Quando a ONU aprova uma zona de exclusão aérea, sob justificativas humanistas de proteger os civis inocentes, atores internacionais começam a se imiscuir nos assuntos internos de um país soberano. Quando a OTAN bombardeia alvos terrestres e prédios estratégicos de um dos lados do conflito, fica evidente que está aliado ao outro lado. Trata-se de uma agressão à soberania nacional da Líbia.

“Ah, mas o Kadhafi é um ditador malvado”! Talvez seja, mas será que o outro lado é melhor? E a quem cabe julgar se o governo da Líbia é bom ou ruim? Se fosse um país democrático, isso caberia ao povo líbio, mas como não é... Ainda sim, é altamente questionável que um conjunto de outros países, representantes de outros povos, com objetivos diferentes dos objetivos dos libios, decida se o governo é bom ou ruim e, em conseqüência, intervenha militarmente naquele país. É inevitável a comparação com a participação dos nazistas na Guerra Civil Espanhola.

Dessa vez, o alvo foi a Líbia. E o próximo? Por que não fazer o mesmo com o governo da Arábia Saudita? Ou de Israel? Ocorre que a ONU não é uma estrutura democrática. A ONU representa o poder militar (e econômico também) de alguns países que tem assento permanente no Conselho de Segurança, com direito a veto. Curiosamente, são os mesmos países que detém a tecnologia da bomba atômica. Não existe diferença, na prática, se essas intervenções são aprovadas pela ONU, afinal, os países com poder de decisão são os mesmos com poder militar para efetuá-las. Mesmo que o mundo inteiro seja contra, nunca terá condições de impedir uma ação como esta, nem na ONU e nem militarmente.

Resumindo, a Primavera dos Povos Árabes terá um final diferente da Primavera dos Povos de 1848, pois agora existem potências imperialistas dispostas a influenciar nos resultados e escolher os vencedores. E, que ninguém se engane, o saldo disso não será mais liberdade.

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De São Paulo-SP.

4 comentários:

  1. Nossa ! Muito boa a sua materia . Eu nao conhecia esse lado da guerra que estava acontecendo na Líbia .

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    1. Eu tbm naun conheçiia nen sabia q acontecia na libia....S2

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  2. Muito bom e esclarecedor seu ponto de vista.

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  3. Ótima visão critica, amigo. Congratulações!!!

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